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Governo e Congresso terão que zerar o déficit com mais cortes
04/09/2015
Se o Brasil desejar preservar seu grau de investimentos (nota de bom pagador) na praça, o governo federal e o Congresso Nacional terão que zerar o déficit do orçamento de 2016 com cortes de despesas e debater com a sociedade a adoção de medidas impopulares.
Entre as sugestões que possam sinalizar um controle nas contas públicas estão a adoção de diversas medidas administrativas como: suspender temporariamente a criação de novos municípios; bloquear provisoriamente a realização de novos concursos para cargos públicos; cortar pelo menos 30% de cargos comissionados; e cortar 12% dos gastos discricionários, aquelas despesas que o governo pode ou não executar de acordo com sua previsão de receitas.
"É possível ao governo e ao Congresso tomar várias medidas antes de aumentar de impostos de consumo, que só agravariam a atual recessão na economia", afirma o diretor executivo da consultoria Andersen Tax Brasil, Bernardo Oliveira.
Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, não há muito que debater sobre o orçamento de 2016. "Há uma situação emergencial [risco da perda do grau de investimentos], fica difícil cortar os gastos obrigatórios porque requer mais tempo, então, se tem que ficar limitado ao total do gasto discricionário que é de R$ 250 bilhões, tentar preservar os investimentos e cortar 12% dos gastos correntes, para zerar o déficit de R$ 30 bilhões", disse.
De acordo com a peça orçamentária de 2016 enviada ao Congresso, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que representa investimentos foi bastante afetado pelos cortes e passou a representar apenas 3,5% das despesas primárias, um volume de R$ 42,4 bilhões insuficiente para estimular o crescimento da economia.
Outra área afetada pelos cortes foi a Educação, onde poderiam estar os incentivos para melhorar a produtividade e competividade do País. "O programa Ciências Sem Fronteiras [de bolsas de estudos no exterior] praticamente vai desaparecer. Vão sobrar poucas bolsas do Capes na pós-graduação", apontou o mestre em economia e coordenador de administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero.
Pelos dados da peça orçamentária, os gastos previstos com o programa Ciências Sem Fronteiras seriam destinados basicamente para manter os estudantes que já estão no exterior, cerca de R$ 2,1 bilhões, ante o valor de R$ 3,5 bi de 2015. "O governo manteve o Pronatec [bolsas de cursos técnicos]", diz.
Balistiero vê muitas dificuldades no Congresso para cortar despesas, pois fere interesses políticos dos parlamentares. "O canto da sereia do governo será para aumentar impostos e dividir essa responsabilidade com o Congresso. Se vai aumentar alíquotas do IOF [imposto sobre operações financeiras], do IPI [imposto sobre produtos industrializados] e da Cide [contribuição sobre combustíveis]", disse.
Mas para Oliveira, da Andersen Tax, aumentar impostos sobre o consumo tende a agravar a recessão. "O que aumenta a arrecadação é o crescimento da economia", argumenta o diretor.
Para resolver essa questão, ele sugere o aumento do imposto de renda (IR) sobre aplicações financeiras. "Para se produzir qualquer coisa no Brasil, se paga em média 34%. Numa aplicação financeira, o IR é de 15% depois de um determinado período. Com os juros altos da Selic [14,25% ao ano] é um convite para guardar o dinheiro [em título público] e não produzir", disse.
Para o debate com a sociedade, que exigiria mudanças na Constituição, Raul Velloso, sugere uma discussão a parte. "É possível mexer na política de reajuste do salário mínimo e na regularização da idade mínima da aposentadoria". Num horizonte próximo, Balistiero orienta que se possa fazer a regulação da criação de novos municípios. "Temos cidades com 2 mil habitantes, é preciso rever essa quantidade de municípios".
Na peça orçamentária do próximo ano, a transferência de recursos para estados e municípios pela União poderá alcançar a cifra de R$ 236 bilhões, cerca de 8,13% de todos os gastos da União. "Os políticos tem todo o interesse em criar novos municípios, quando se faz isso se cria uma prefeitura, secretarias, câmaras. Deve-se regulamentar a criação apenas para aqueles com atividade econômica suficiente para se sustentar", diz Oliveira.
Como sugestão, o diretor aponta a necessidade de se cortar pelo menos 30% dos 22 mil cargos comissionados no governo federal. "Seria uma medida mais de efeito psicológico para a sociedade, para mostrar que o governo está comprometido. Só 1 mil cargos 5% é paliativo", acrescentou ele sobre a reforma administrativa.
Efeito da alta dos juros
Na proposta orçamentária de 2016, a equipe econômica calcula gastos de R$ 885 bilhões com o refinanciamento da dívida pública federal, esse montante corresponde a cerca de 30% de todos os compromissos da União. "Não vejo nenhuma dificuldade para o governo se refinanciar [com bancos e outros investidores domésticos] com essa taxa de juros, mas o Brasil é o único país do mundo onde á política monetária afeta a política fiscal", diz Balistiero.
O mestre em economia calcula custos de R$ 400 bilhões em juros e vê problemas na indexação da dívida pública na taxa básica de juros Selic. "Cada vez que se aumenta a Selic, ela está em 14,25% ao ano, se aumenta a despesa com juros da dívida. Deveria ter outra taxa pós-fixada diferente da Selic e uma maior participação de títulos prefixados", argumentou.
Ernani Fagundes
